Manobra no Senado tenta retirar o setor público da Lei de Proteção de Dados
Cristina De Luca
09/04/2018 09h22
Desde a última semana circula em Brasília a informação de que estaria em curso uma tentativa do governo de convencer o senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES), relator do PLS 330, de 2013 (que trata da proteção, tratamento e uso de dados pessoais), a apresentar um substitutivo que exclua o setor público do disposto na futura legislação.
Parado hoje na Comissão de Assuntos Econômicos, o PLS 330/13 pode receber ainda esta semana um substitutivo, de autoria do próprio Ferraço, já incluindo algumas das modificações propostas pelo governo. Se confirmada a informação, o substitutivo seria tornado público, portanto, antes da realização da audiência pública convocada para debater o tema no próximo dia 17 de abril. O que sabemos é que, sim, o senador trabalha em um substitutivo ao PL, desde o ano passado.
Na opinião de muitos especialistas ouvidos por este blog, e que pediram para não serem identificados, a exclusão de qualquer setor da incidência de uma lei de proteção de dados representa uma quebra na harmonia do sistema, proporcionando menor clareza aos cidadãos quanto aos seus direitos, diminuindo a confiança e a segurança jurídica e enfraquecendo o sistema como um todo, além de tornar o marco regulatório virtualmente incompatível com os de outros países.
Ou seja, uma eventual diferença de regimes de proteção de dados entre os setores público e privado pode dar ao cidadão a sensação de perda de garantias de direitos e causar lacunas no livre fluxo de dados pessoais, que é um dos objetivos da legislação.
E diante das muitas barreiras que outros países estabelecem para que dados de seus cidadãos sejam tratados em outros países, o Brasil perderia competitividade no exercício de atividade como outsourcing, sempre que essas atividades impliquem transferência de dados pessoais.
Alguns argumentam também que o poder público não necessita obter o consentimento prévio do titular para o tratamento de seus dado. Mas o tratamento desses dados deve ser público, de modo a assegurar o direito do cidadão de conhecer o destino dado a eles.
Portanto, uma eventual retirada do setor público do alcance de uma futura legislação de proteção de dados pessoais precisa ser tratada com muito cuidado.
Vejamos o que a semana nos reserva.
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Vale lembrar que, também na Câmara, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator dos PLs 4060/12 e 5276/16, que tratam igualmente da proteção de dados pessoais (um deles, inclusive, encaminhado pelo próprio Poder Executivo) chegou a protocolar, antes mesmo do senador Ferraço, pedido para realização de uma audiência pública na Câmara com a intenção de debater o papel do Estado e o impacto que os projetos de lei terão no cumprimento de atribuições do Poder Público a partir da sua aprovação. Mas, até esse momento, essa audiência ainda segue sem data para acontecer.
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E vale considerar que o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), que entrará em vigor no final de maio, continua tendo uma grande influência em todo o mundo. Uma bom exemplo é a California Consumer Privacy Act of 2018, prevista para ser votada em novembro deste ano. A intenção é dar aos consumidores o direito de perguntar às empresas que dados pessoais estão sendo coletados sobre eles e como estão sendo usados. Uma preocupação crescente desde o escândalo Facebook/Cambridge Analytica.
A diferença da lei californiana para a europeia é a de que o GDPR exige que as empresas deixem de coletar dados, a menos que recebam direitos explícitos de fazê-lo pelo consumidor. Mas ambas pretendem dar aos cidadãos mais informações e controle sobre como seus dados estão sendo usados.
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A propósito, na última sexta-feira, depois de anunciar uma série de medidas para tornar a publicidade política mais transparente, o Facebook anunciou que suspendeu a AggregateIQ (AIQ) de sua plataforma, depois de relatos de que a empresa canadense estaria conectada à empresa matriz da Cambridge Analytica, a SCL.
"Nossa revisão interna continua, e vamos cooperar plenamente com qualquer investigação por parte de autoridades reguladoras", disse o Facebook.
"Apoiamos o Honest Ads Act", disse Zuckerberg em um post no Facebook . "Isso ajudará a elevar o nível de toda a publicidade política online".
O Honest Ads Act é um projeto do Senado que exige que as empresas de tecnologia divulguem como os anúncios políticos são segmentados e quanto custam.
Sobre a autora
Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.
Sobre o blog
Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.