É preciso reduzir o poder das gigantes da Internet. Mas como?
Cristina De Luca
06/11/2018 09h25
Combinadas, gigantes como Facebook, Microsoft, Google, Amazon e Apple movimentam anualmente algo em torno de US$ 3,7 trilhões. Mais receita do que o PIB anual da Alemanha.
De quem é a conta? Do pai da Web, Tim Berners-Lee, em declaração para recente reportagem da Reuters. A cifra fundamenta o fato de a revolução digital ter gerado um punhado de empresas de tecnologia baseadas nos EUA desde os anos 90, que agora têm um poder financeiro e cultural combinado maior do que a maioria dos estados soberanos.
"Estou decepcionado com o estado atual da web", disse Tim Berners-Lee. "Perdemos a sensação de empoderamento individual", completou.
E como mudar esse quadro? Tim sugere dois caminhos: um mais lento, outro imediato. Ou esperamos para ver se empresas menores aparecem e gerarem disrupção, ou tratamos de desmembrar as gigantes da Internet em negócios menores.
A entrevista da Reuters foi publicada antes da abertura do Web Summit 2018, que acontece esta semana em Lisboa, na qual o pai da Web voltou a propor um pacto em torno da defesa de uma internet livre e aberta. Seu objetivo é criar valores de equidade e de segurança para todos os usuários da internet.
"Temos de criar um contrato para a 'web'. […] E esse deve ser um contrato com vários princípios", disse ele, durante sua apresentação nessa segunda-feira, 5/11.
O texto proposto por Tim Berners-Lee está disponível em no site https://contractfortheweb.org. Segundo ele, todos têm um papel a desempenhar para garantir que a web sirva à humanidade, governos, empresas e usuários.
Os governos devem:
- Garantir que todas e todos possam se conectar à internet, para que qualquer pessoa, independentemente de quem seja ou onde viva, possa participar ativamente online.
- Manter toda a internet disponível o tempo todo, para que o direito ao acesso total à internet não seja negado a ninguém.
- Respeitar o direito fundamental das pessoas à privacidade, para que todas e todos possam usar a internet livremente, com segurança e sem medo.
As empresas:
- Tornar a internet financeiramente viável e acessível a todas e todos, para que ninguém seja excluída/o de usar e moldar a web.
- Respeitar a privacidade e os dados pessoais d consumidores, para que as pessoas tenham controle de suas vidas online.
- Desenvolver tecnologias que fomentem o que há de melhor na humanidade e contestem o que há de pior, para que a web seja de fato um bem público que coloca as pessoas em primeiro lugar.
E os usuários:
- Ser criadores e colaboradores na web, para que a web tenha conteúdo farto e relevante para todas e todos.
- Desenvolver comunidades fortes que respeitem o discurso civil e a dignidade humana, para que todas e todos se sintam seguros e bem-vindos online.
- Lutar pela web, para que a web permaneça aberta, um recurso público global para pessoas de todos os lugares, agora e no futuro.
"Não é só uma questão de reforçar leis, é uma questão de mudar mentalidades", disse Tim Berners-Lee, numa conversa com a jornalista da CNN, Laurie Segall, que é a entrevistadora habitual no palco da Web Summit. "Há um momento em que nos apercebemos de que há causas simples pelos quais devemos lutar, como a liberdade e a liberdade de expressão". Porém, notou, "há consequências de defender o anonimato" – como a proliferação de discurso de ódio na Internet.
Mas a crítica sistemática de Tim Berners-Lee é o menor dos problemas enfrentados hoje pelas gigantes da internet. Tanto que Google e Facebook já assinaram o contrato proposto por ele.
O maior dos problemas pode já estar em marcha, com a decisão do Reino Unido de começar a tributar em 2% a receita das empresas de internet que arrecadarem mais de 500 milhões de libras esterlinas, em um ano e meio, no máximo.
Os britânicos poderão ser apenas os primeiros a fazê-lo. Há planos semelhantes também entre países integrantes da União Europeia.
As medidas miram o duopólio Google/Facebook, mas podem acabar atingindo mais empresas, como bem lembrou Tim Berner-Lee a Reuters.
Há anos a Europa tenta criar um imposto para a Internet. Não tanto para frear os superpoderes das gigantes como Google e Facebook, embora esse possa vir a ser um efeito colateral, e mais para assegurar assimetria regulatória com outros setores, como a telefonia, e engordar os cofres públicos.
Talvez a melhor forma de delimitar o alcance das gigantes da internet seja mesmo sua regulação. Algo que as legislações de proteção de proteção de dados começam a fazer, também fundamentadas em pesadas multas.
A ver.
Sobre a autora
Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.
Sobre o blog
Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.