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Entenda o que muda na LGPD com a MP publicada hoje pelo governo Temer

Cristina De Luca

28/12/2018 15h27

Há dois dias, grupos de discussão no WhatsApp  reunindo advogados e especialistas em proteção de dados para troca de ideias e informações sobre o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia (o GDPR) e a nossa Lei Geral de Proteção de Dados (a LGPD) fervilham de mensagens sobre o texto da Medida Provisória 869, publicada nesta sexta-feira, 28 de dezembro, criando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (a ANPD) e o Conselho Nacional de Proteção de Dados.

A maior preocupação é com relação à possibilidade de "captura" da ANPD pelo governo federal, comprometendo sua autonomia. Também têm sido apontados muitos problemas técnicos em vários artigos, que carecem de ajustes, muitos deles passíveis de serem feitos através da submissão de emendas ao texto, no início de fevereiro de 2019.

O advogado Marcelo Crespo, sócio do escritório Pires & Gonçalves Advogados Associados, com atuação em Direito Digital, Proteção de Dados, Privacidade, Compliance, Crimes Digitais, Inovação, lamenta que a MP ainda não traga nada sobre conflito de interesses dos integrantes do Conselho. "Pode virar um grande palco para trafico de influencia e afins", diz ele. "Os integrantes do Conselho estarão muito próximos de dados e decisões importantes para a proteção de dados, sendo verdadeiramente privilegiados em suas posições. Em tempos de disseminação de programas de compliance, a falta de normas sobre conflitos de interesse, neste particular, é uma omissão importante", completa.

"É essencial que os diretores-conselheiros sejam especialistas e tenham independência para tomar suas decisões", afirma Leonardo Palhares, presidente da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (camara-e.net) e sócio do Almeida Advogados. "O conselho deve ser multissetorial e autônomo também".

Crespo também pontua que a MP alterou significativamente o artigo 20 da LGPD, excluindo a revisão por pessoa natural as decisões automatizadas. Significa dizer que os questionamentos sobre os critérios de discriminação no tratamento de dados pessoais pode se tornar muito mais complexo para os titulares, que podem ficar sem entender discriminações sobre seu perfil pessoal, de consumo, de crédito ou da sua personalidade. Na opinião de muitos advogados, tirar a revisão humana é ruim. Ela era um meio termo em relação ao disposto no GDPR sobre o direito do titular do dado de se negar a estar sujeito a decisões automatizadas.

Trocando em miúdos, o GDPR dá ao titular do dado o direito de se opor a decisões automatizadas, salvo em casos excepcionais, como quando há consentimento expresso, execução de contrato, etc. Já a LGPD não prevê esse direito, mas antes da MP garantia um direito de revisão humana que deixou de existir após sua publicação hoje. Alguns advogados e membros da academia acreditam que é preciso ao menos manter a obrigação de transparência sobre os critérios e a possibilidade de auditoria.

No entanto, alguns advogados consideraram essa mudança do artigo 20 adequada. Outros interpretam de forma diversa. Dizem que o artigo não retira a possibilidade de revisão humana, apenas abre novas possibilidades. Também não há em relação às novas possibilidades de compartilhamento de dados entre o Poder Público e entidades privadas (art.26) e à ausência da necessidade de informar à ANPD acerca do compartilhamento de dados entre pessoa jurídica de direito público e privada, tão somente, de coleta do consentimento do titular (art.27).

Outros pontos polêmicos foram a revogação da disposição que impedia que a totalidade dos dados pessoais de banco de dados de segurança nacional e pública fossem tratados por pessoa de direito privado, permitindo agora que as controladas pelo Poder Público o possam; e a retirada da possibilidade de requisição de relatórios de impacto à proteção de dados no caso de tratamentos para finalidades de segurança nacional e pública, o que pode impactar obrigações de transparência pelo Poder Público.

Mas nem tudo é ruim. Na opinião de Crespo, a extensão do período de vacatio legis da LGPD para 24 meses ajuda as empresas, que terão mais seis meses para a adaptação.

"Além disso, a MP alterou o conceito de "encarregado", retirando a exigência de que seja uma pessoa física, o que aproxima o conceito do DPO. Algo que eu havia alertado por ocasião da participação em audiência pública no Senado", comenta o advogado.

Renato Leite Monteiro, e outros advogados do escritório Baptista Luz Advogados, elaboraram um quadro comparativo que dá uma boa noção do que muda na LGPD após a MP e quais os impactos disso para a eficácia da legislação. Confira abaixo. Vale ler também o resumo que fizeram, clicando aqui.















(Abra as imagens em novas telas para ampliar)

Muitos estudiosos e advogados questionam também o fato da ANPD ter apenas autonomia técnica e não a independência que parecia ser consenso.

Em nota divulgada à imprensa, o presidente da ABRADi, Marcelo Sousa, lembra que "a criação da ANPD por meio de uma MP foi um compromisso assumido publicamente pelo presidente Temer, que precisava ser tomado com urgência. Entretanto, ao vincular a criação da Autoridade à Casa Civil, há o risco de que o cumprimento da Lei tenha interferências políticas e não somente de ordem técnica". Ainda segundo Marcelo Sousa, "isso exigirá uma participação ativa dos movimentos associativos, no sentido de monitorar e influenciar as decisões da autoridade para garantir que elas promovam o uso consciente dos dados por parte das empresas e, ao mesmo tempo, preservem um ambiente de negócios justo e equilibrado. Neste sentido, a ABRADi já está se organizando juntamente com outras entidades do setor de comunicação para pleitear uma das cadeiras previstas no Conselho Nacional de Proteção de Dados".

Outro ponto de atenção levantado pela ABRADi é que a ANPD, da forma como foi criada, sem aumento de despesa para União, gera dúvidas quanto a sustentação financeira e autonomia orçamentária da Agência, o que exigirá cautela e controle na aplicação e cobranças de multas em caso de descumprimento da LGPD, segundo Vitor Andrade, sócio da LTSA Advogados e consultor jurídico entidade.

Também em nota, a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (camara-e.net) lembra que além de vincular a agência à Presidência da República, a MP dá ao Presidente controle sobre a autoridade de proteção de dados, pois permite que este nomeie e/ou afaste os conselheiros, o que pode prejudicar sua autonomia. No texto original da LGPD, a autoridade deveria ser autônoma e independente, de modo a garantir isenção em suas decisões e, consequentemente, a segurança jurídica dos cidadãos no que se refere à privacidade de seus dados.

Porém, mesmo no setor empresarial há aqueles que acreditam que o fato de a ANPD ficar diretamente ligada à presidência, e sob determinados aspectos também à Casa Civil. "Isso é excelente pois (acredito) não terá interferência direta dos militares (embora eles estejam lá). A prova de fogo será a nomeação dos diretores da ANPD. Acredito que terá apenas um militar. Se tiver mais que isso, aí será preocupante", me disse uma fonte do setor.

Vale lembrar que muita água vai rolar ainda embaixo da ponte da ANPD até a entrada em vigor da LGPD, em agosto de 2020.

A sensação geral em torno da MP é que é melhor debater o assunto com o próximo governo e o próximo legislativo a partir dela, do que sem ela.

A ver.

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Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

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Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.