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A proteção de dados pessoais pode virar direito fundamental dos brasileiros

Cristina De Luca

16/03/2019 09h51

Atualizada em 17/3/2019

Em janeiro, o empresário, músico e membro do Comitê Global de IA da World Economic Forum, will.i.am publicou um longo artigo defendendo a necessidade de dados pessoais serem considerados um direito humano, assim como o acesso à água. "A capacidade das pessoas de possuir e controlar seus dados deve ser considerada um valor humano central. Os dados em si devem ser tratados como propriedade e as pessoas devem ser justamente compensadas por isso", escreveu ele.

Me lembrei do texto de will.i.am esta semana, diante da proposta de emenda constitucional encaminhada à CCJ – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos fundamentais do cidadão.

"Convictos de que o Brasil necessita muita mais do que uma lei ordinária sobre o assunto, apesar da envergadura jurídica da Lei no 13.709, de 14 de agosto de 2018 (LGPD), propomos a presente mudança à Constituição Federal", justificam  os autores, de diversos partidos, das mais diferentes correntes ideológicas (PSC, DEM, Rede, PT, PSB, PSD,PPS,MDB, PP, Pros, PDT e PR).

Curiosamente estão de fora da proposição PSDB e PSL que deveriam, pela lógica, ser os mais interessados na matéria, já que são, respectivamente, os partidos do relator do PL que resultou na LGPD e do atual governo, que terá o papel de regular a vigência da lei, não se sabe ainda se em fevereiro de 2020 ou agosto de 2020. A data para início de vigência da lei depende da aprovação, pelo Congresso, da Medida Provisória 869/2018  editada no fim do governo Temer, criando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados..

O prazo legal para que isso aconteça termina em 4 de abril. Sem apreciação e aprovação a MP perde efeito, a menos que seja prorrogada. A partir da próxima quarta, 21/3, sua apreciação passa a trancar a pauta de votações do Congresso. A comissão mista para analisá-la ainda não foi instalada. Há quem aposte em sua prorrogação automática, por mais 60 dias. Há quem aposte em sua revogação, já que uma equipe do Ministério da Economia estaria estuando outro formato para a a ANPD.  A avaliação de quem acompanha os trâmites em Brasília é de que há boas intenções no Ministério da Economia em avançar no tema. Mas uma andorinha só não faz verão.

Voltando ao tema deste artigo, esses mesmos interlocutores avaliam que a ideia da proteção de dados pessoais como direito fundamental não deve gerar muito ruído, por ser bem-vinda. De fato, a maioria das pessoas com as quais conversei não se opõe a ela. "Garantir a privacidade como um direito constitucional é uma boa ideia", disse um representante da comunidade empresarial que vem acompanhando os debates nos últimos anos. O professor Danilo Doneda, do IDP, um dos maiores centros de estudos e reflexões sobre Administração Pública, Economia e Direito do país, concorda.

"O ponto nevrálgico desta emenda constitucional, que deve gerar discussão, é o fato dela colocar como competência privativa da união a legislação sobre o tema", diz Doneda.

Sobre esse ponto, a intenção declarada dos autores é disciplinar uma questão considerada "tormentosa" por  eles: a competência constitucional para legislar sobre esse direito fundamental,  em virtude da proliferação de propostas de leis estaduais e municipais sobre proteção de dados, muitas delas replicando a LGPD.

"Se aprovada, essa emenda poderia reduzir a insegurança jurídica de eventuais conflitos de competência com estados e municípios. Que eu tenha conhecimento, já são 14 PLs estaduais e municipais sobre o tema", comentou o mesmo  representante da comunidade empresarial.

A conta dele é um pouco maior que a da gerente da diretoria de Chief Data Officer do Banco Santander, Florence M. Dencker Terada, apontada em fóruns de debates sobre a LGPD como uma das profissionais que mais tem acompanhado essas iniciativas.  De acordo com Florence, são 13 PLs, três deles já aprovados: os de Vinhedo, Cariacica e João Pessoa. Completam a lista:

1. PL 375/2015 – Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro;

2. PL 807/2017 – Câmara Municipal de São Paulo;

3. PL 297/2017 – Câmara Municipal de Campinas;

4. PL 293/2017 – Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul;

5. PL 08/2018 – Câmara Municipal de Salvador;

6. PLC 8/2018 – Câmara Municipal de Cariacica;

7. PL 337/2018 – Câmara Municipal de Fortaleza;

8.PL 598/2018 – Assembleia Legislativa de São Paulo;

9. PL 182/2018 – Câmara Municipal do Recife.

Os riscos embutidos no que os senadores consideram ser uma "fragmentação legal sobre proteção de dados" vão desde a existência de dezenas – talvez milhares – de "conceitos legais sobre o que é 'dado pessoal' ou sobre quem são os 'agentes de tratamento' sujeitos à norma legais", até "problemas de compatibilidade e adequação dos dados, em especial nos serviços disponibilizados pela rede mundial de computadores, que utilizam os dados pessoais de formas cada vez mais abrangentes e inovadoras".

"Uma eventual estadualização e/ou municipalização da proteção de dados, com órgãos dos entes federativos começando a atuar, como  os Ministérios Públicos regionais, Procons, etc, em um cenário de insegurança sobre a vigência da MP que cria a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, preocupa muito o mercado",  explica Danilo Doneda.

Além do que, segundo Doneda, em se tratando de proteção de dados se entra muito em direitos fundamentais, direito Privado e direito Civil, que já são competências privativas da União.

"De certa forma, seria possível argumentar que a proteção de dados, materialmente, já é de competência exclusiva da União", diz Doneda. "Mas a natureza abomina o vácuo em si. Na falta de uma lei federal vigente, ou quando há dúvidas sobre a sua força e aplicabilidade, vão aparecer leis regionais tentando lidar com o tema", argumenta o professor.

Já na esfera do direito Administrativo o debate pode pegar fogo…

De um modo geral, na avaliação de alguns advogados o aumento de órgãos fiscalizadores gera mais insegurança jurídica, pois aumenta a complexidade de todo o processo de aplicação da legislação. A esse respeito, o site Jota publicou um especial esclarecedor, em dezembro passado, que vale leitura atenta. 

A tramitação da emenda constitucional está em seu início. No momento, aguarda designação do relator na CCJ. Vale ser acompanhada de perto.

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Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.