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A proteção de dados já está acima da LGPD. Não tem volta

Cristina De Luca

08/05/2020 14h01

Um julgamento histórico. É o mínimo que se pode dizer sobre o ocorrido nos últimos dois dias, quando o plenário do Supremo Tribunal Federal suspendeu, por 10 votos  a um, a eficácia da Medida Provisória 954/2020, que determinava que as operadoras de telefonias entregassem ao IBGE nome, endereço e telefone de todos os brasileiros que possuem uma linha fixa ou móvel. E sobre o qual o Carlos Affonso escreve, de forma clara e precisa, no blog Tecfront.

A maioria dos ministros do Supremo considerou que a MP feria princípios da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), como  finalidade, adequação (à necessidade), transparência e segurança, ao não definir claramente o escopo para o uso dos dados, pedir mais dados do que o necessário para a elaboração da pesquisa e não adotar medidas de proteger os dados de vazamentos e usos indevidos.

"Esse julgamento reconheceu uma série de direitos, sob o prisma constitucional, que vão ter impacto para todos, no setor público e no privado", opina Fabrício da Mota Alves, advogado, professor em Proteção de Dados e representante do Senado Federal no futuro conselho da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Na prática, segundo ele, quando se fala sobre proporcionalidade, necessidade e finalidade sobre o prisma constitucional esses princípios passam a valer, independente da vigência ou não da LGPD. "Todos terão que se preocupar. A proteção de dados chegou à Constituição. O que significa que ela  já está sendo aplicada a todos. O impacto dessa decisão é imenso. Todo mundo vai ter que se preocupar com o tema", afirma Fabrício.

A interpretação de Fabrício é a mesma de Ivar A. Hartmann, professor e Coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio. Em artigo publicado pelo site Poder 360,  Hartmann afirma que a iniciativa do plenário do Supremo de endereçar o tema é simbolicamente e pragmaticamente tão importante.  "A despeito do possível adiamento da Lei Geral de Proteção de Dados, o tribunal parece disposto a ocupar o palpável vácuo da Lei e da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, controlando assim a coleta e uso de nossos dados por parte do Estado e empresas privadas com mais rigor".

De fato, foi muito bom ver o Judiciário, na figura dos ministros do Supremo, tão versado no tema proteção de dados, especialmente quando o Legislativo e o Executivo claudicam.  E a interpretá-lo à luz da Constituição, mesmo que a PEC 17/2019, que  inclui a proteção de dados entre os direitos fundamentais dos brasileiros no texto constitucional, siga parada no Congresso.

Durante o julgamento da MP 954, a  maioria  dos ministros apontou a necessidade de se resguardar a vida privada e proteger o sigilo dos cidadãos. Mas também a fragilidade da MP  954, visto que ainda não está em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que garantiria melhor tratamento para as informações.  

O que nos leva ao próximo assunto: a vigência plena da LGPD e de uma ANPD forte, técnica, independente e atuante.

O Congresso ainda precisa se debruçar sobre um Projeto de Lei (o 1179/2020) e uma outra Medida Provisória (a 959/2020) que, em meio a medidas emergenciais para o combate ao Covid-19, propõem o adiamento da LGPD para janeiro ou maio de 2021, respectivamente.

Quem acompanha de perto os processos legislativos garante que as chances de a LGPD ser adiada são grandes. Há uma pressão enorme para isso.  Fala-se inclusive na possibilidade de prorrogação do vacatio legis para alguma data em 2022!!!!

Várias pessoas com as quais conversei nos últimos dois dias estão receosas de que, ao contrário do senso comum, a derrota no Supremo leve o governo a adotar medidas ainda mais drásticas em relação à LGPD e, por tabela, à ANPD. Em especial se o Congresso também derrubar a MP 959 por temor de que também seja considerada inconstitucional.

um requerimento do deputado Alessandro Mollon para devolução parcial da MP alegando violação do artigo 62 da Constituição, por não haver nem  urgência, nem relevância no adiamento da vigência da LGPD. As possibilidades de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, retirar esse tema, ou de alguém apresentar uma emenda supressiva para retirar a abordagem da LGPD também estão na mesa.

O PL  1179/2020, por sua vez, sequer teve seu relator designado. Mas há um forte indício de que ele venha a ser votado antes da MP: o fato de outras MPs estarem trancando a pauta do Congresso e de o PL  tramitar em regime de urgência. O que já intensificou o lobby em alguns gabinetes da Câmara para ampliação do prazo de vacatio legis. Até em função da possibilidade de ter apensado nele todos os PLs que pedem a prorrogação.

E a pressão sobre o  governo para a rápida estruturação da ANPD só aumenta. Antes veladas, as possibilidades de o governo ser cobrado judicialmente por não ainda não ter agido a respeito começam a debatidas abertamente.

A sorte está lançada.

Mesmo que a LGPD seja prorrogada, a ANPD precisa começar a trabalhar, o quanto antes.  O período de vacatio legis deveria ser para regulamentação de pontos da LGPD e adequação da sociedade. Ainda há tenpo!

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A propósito, sobre o julgamento do Supremo vale ouvir as defesas feitas pelos professores Danilo Doneda e Bruno Bioni, e ler, com atenção, a íntegra da petição da OAB.

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Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.